Justiça impede inclusão de sócios em processos administrativos fiscais
Duas liminares, uma da Justiça Federal do Amazonas e outra do Rio
de Janeiro, afastaram a possibilidade de a Receita Federal incluir sócios e
administradores de empresas em processos administrativos fiscais que ainda não
foram julgados. As decisões impedem a aplicação da Instrução Normativa nº
1.862, de 2018.
A norma editada pela Receita autoriza a inclusão de sócios e
diretores fora do momento em que é feita a autuação. Permite o redirecionamento
no despacho que nega a declaração de compensação (Dcomp) e durante o processo
administrativo fiscal, desde que antes do julgamento de primeira instância.
Prevê ainda que a medida pode ser adotada após a decisão
definitiva na esfera administrativa e antes da inscrição em dívida ativa ou quando
o crédito tributário for confessado em declaração constitutiva.
Nos dois casos, os contribuintes ingressaram com mandados de
segurança para, de forma preventiva, evitar a inclusão de sócios e administradores
em cobranças decorrentes de pedidos de compensação tributária negados ou não
homologados, com aplicação da multa isolada de 50% – prevista no artigo 74,
parágrafo 17, da Lei nº 9.430, de 1996. Argumentaram que a norma é
inconstitucional e ilegal.
No Rio de Janeiro, o juiz federal Marcus Livio Gomes, da 12ª Vara
Federal da capital, ao conceder liminar no fim de maio, considerou que a
instrução normativa não afronta a Constituição Federal (processo nº 5029
464-48.2019.4.02.5101). Porém, entendeu que a aplicação de multa viola o
princípio constitucional da proporcionalidade.
“A multa cria obstáculos, com certeza, ao direito de petição
do contribuinte, pois, diante da possibilidade de lhe ser aplicada a pena pecuniária,
produz justo receio, a ponto de desestimulá-lo a efetivar o pedido da
compensação a que teria direito”, diz o juiz na decisão. A liminar impede
a inclusão de sócios e administradores da empresa no polo passivo dos processos
de compensação e de lançamentos de ofício que discutam a multa isolada.
A outra liminar foi concedida em abril pela 3ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Estado do Amazonas (processo nº 1001 029-42.2019.4.01.3200). No processo, a empresa alega que teve pedidos de restituição e compensação negados, dando origem a disputas na esfera administrativa que ainda não foram julgadas.
Na decisão, o juiz federal Ricardo Augusto de Sales afirma que não cabe à Receita ampliar as hipóteses previstas no Código Tributário Nacional (CTN) e criar critérios de responsabilidade tributária sem respaldo legal. Ele cita o artigo 135 da norma. O dispositivo prevê que diretores e gerentes são pessoalmente responsáveis por créditos tributários resultantes de atos praticados com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos.
O magistrado também cita no texto da liminar a Súmula 430 do
Superior Tribunal de Justiça (STJ). O texto diz que “o inadimplemento da
obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade
solidária do sócio-gerente”.
Segundo o juiz, a IN nº 1.862 contraria regras estabelecidas no
campo do direito empresarial. Ele acrescenta que a possibilidade de mudar o
polo passivo de processos administrativos pendentes de julgamento, para incluir
terceiros que não foram originalmente indicados, acabou realizando alteração de
critério jurídico.
De acordo com os advogados Marcelo Sales Annunziata e Marcelo
Rocha, do Demarest Advogados, que assessoram as empresas, para a responsabilização
de sócios e administradores é necessário existir fraude ou prática de atos
contra a lei. Não basta, acrescentam, mero inadimplemento.
“Vemos um movimento grande da Receita Federal de colocar, em
muitos processos, multa isolada e responsabilizar sócios e administradores”,
afirma Annunziata. Para o advogado, há uma tentativa de constrangê-los.
“A matéria de responsabilidade tributária é muito sensível
para a Receita tratar. Partimos do pressuposto de que o órgão não deve legislar
em nenhuma situação, muito menos em matéria de responsabilidade
tributária”, diz Rocha.
A advogada Daniella Zagari, do Machado Meyer Advogados, entende que a instrução normativa não pode ser uma carta em branco para a responsabilização de gestores apenas pelo não pagamento de tributos. Para ela, a norma tem sido usada como um mecanismo para criar responsabilidades inexistentes. “Mero indeferimento de compensação com multa não significa que houve prática de ato doloso ou fraudulento que possa ser imputado a sócio”, afirma.
Por nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou
que recorreu da liminar concedida no Estado do Amazonas e aguarda julgamento do
Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região. Sobre a outra liminar, ó órgão
não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Beatriz Olivon – Valor Econômico