Estados compensam débitos tributários com precatórios
Arthur Ferreira Neto: governo gaúcho poderá acabar com boa parte da dívida ativa. Para cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015 que obriga o pagamento dos precatórios pendentes até 2020, Estados editaram leis ou elaboraram projetos de lei para permitir a compensação desses títulos com débitos tributários. Com a medida, conseguem ainda reduzir a dívida ativa e evitar a apropriação de receita para o pagamento de precatórios.
Recentemente, o governador do Rio Grande do Sul, Ivo Sartori (PMDB), sancionou a Lei nº 15.038. A norma está em linha com as exigências impostas pela Lei Complementar nº 159, que institui o regime de Recuperação Fiscal (RRF) dos Estados. E chama a atenção por autorizar o uso de precatórios de terceiros, o que permite às empresas comprar títulos com deságio.
A adoção da medida é importante para Estados em crise fiscal por suspender o sequestro de valores da receita líquida – aplicado quando o governo deixa de depositar o montante devido para a quitação de precatórios, conforme estabelecido pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016. Fruto do julgamento do STF, a norma também autoriza a União, em caso de inadimplência, a reter os repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Por outro lado, isenta o Estado que adotar a medida de recolher 25% aos municípios e 15% ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) sobre o arrecadado por meio da compensação.
Segundo Claudio Curi Hallal, procurador da Associação das Empresas Credoras de Precatórios do Rio Grande do Sul, que pediu o sequestro de valores não pagos pelo Estado entre janeiro e março, essa possibilidade de compensação já existia, mas com base no Código Tributário Nacional (CTN) e sem isenções. “O Estado recupera, no máximo, 2% da dívida ativa ao ano. Com a compensação de precatórios com débitos fiscais esse percentual deve aumentar “, diz.
A EC 94 autoriza o uso de precatórios próprios ou de terceiros para quitar débitos que, até 25 de março de 2015, foram inscritos na dívida ativa dos Estados ou municípios. Contudo, segundo a norma, devem ser “observados os requisitos definidos em lei própria do ente federado [Estado ou município]”.
Segundo a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, com a publicação da Lei 15.038, só falta o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) validar os descontos que serão concedidos para a medida começar a valer. “Um convênio do Confaz deverá ser submetido aos secretários da Fazenda estaduais nas próximas reuniões do colegiado”, diz a Sefaz-RS por nota. Depois, bastará a publicação dos procedimentos, “o que está em elaboração pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Secretaria da Fazenda”.
De acordo com a norma gaúcha, no caso de dívida decorrente do indevido uso de precatório para compensação com o ICMS mensal, a multa ficará reduzida para 25% do valor do imposto e os juros em 40%.
“Com a nova lei, o Estado poderá acabar, ao mesmo tempo, com o seu estoque de precatórios e uma parcela expressiva de uma dívida ativa de difícil execução”, afirma Arthur Ferreira Neto, do Ferreira Neto Advogados Associados. O Rio Grande do Sul tem cerca de R$ 12 bilhões em precatórios e dívida ativa de R$ 47 bilhões. Na semana passada, o Estado encaminhou projeto de lei à Assembleia Legislativa para a adesão ao RRF.
Para Ferreira Neto, o que mais chama a atenção é a possibilidade de uso de precatórios de terceiros. O advogado afirma que um cliente tem penhorado, em execução fiscal, parte importante do maquinário. “Em vez desse bem ir a leilão, a companhia poderá adquirir precatórios com deságio para pagar o tributo devido. Só aguardo a regulamentação da lei gaúcha para orientar essa empresa”, diz.
Também é importante para as empresas que, enquanto o pedido de compensação com precatórios estiver pendente de análise, o Fisco já poderá emitir certidão positiva de débitos com efeitos de negativa – o que permite a obtenção de empréstimos e participação em licitações.
“Para o Estado, também haverá mais chances de liquidação do estoque de precatórios porque a regularização da compra e venda [cessão] desses títulos agora foi feita com base na Constituição Federal”, diz o tributarista, que é vice-presidente do Instituto de Estudos Tributários (IET).
Além disso, acrescenta, só poderá ser compensado até 85% do valor atualizado do débito inscrito em dívida ativa – somados o principal, multa, juros e correção monetária. Os 15% restante deverão ser pagos em espécie.
Em Minas Gerais, foi criada possibilidade semelhante por meio do Programa Regularize (Lei nº 22.549/2017). Segundo o advogado Marcelo Jabour, CEO da Lex Legis Consultoria Tributária, a novidade tem surtido bons efeitos para todos. “O contribuinte fica em dia com as suas obrigações fiscais e o Estado cumpre o pagamento dos precatórios”, afirma.
Por meio do Regularize também é possível utilizar precatórios de terceiros para pagar parte do débito (dívida ativa). “O contribuinte pode adquirir o precatório com deságio para uso no parcelamento. Este deságio é negociado entre as partes. O percentual de 40% tem sido o mais recorrente”, diz Jabour.
Porém, a lei mineira impõe alguns limites. Se o contribuinte pagar o débito à vista ou em até 12 parcelas, poderá quitar no máximo 30% da dívida com precatórios. Em até 36 parcelas, 40% e, em mais parcelas, até 50%. “Além disso, deverão ser pagos todos os créditos tributários existentes e ser formalizada a desistência de ações, defesas ou embargos à execução fiscal”, afirma Jabour. A Advocacia-Geral do Estado (AGE) não informou o valor da dívida ativa, nem do estoque de precatórios.
São Paulo também deverá adotar a medida. Tramita na Assembleia Legislativa, em regime de urgência, o Projeto de Lei nº 801, de autoria do governador Geraldo Alckmin (PSDB), para estabelecer os termos e condições para a compensação de precatórios com débitos tributários ou outros inscritos na dívida ativa.
O texto também permite o uso de precatórios de terceiros. Hoje, o estoque de precatórios do Estado, em valores de agosto, data do último levantamento, é de cerca de R$ 23 bilhões. Já a dívida ativa atual do Estado corresponde a R$ 356,4 bilhões.
Fonte: Laura Ignacio , Jornal Valor Econômico