Devedor de ICMS pode ser condenado à prisão
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu ontem o julgamento que criminaliza a conduta do empresário que declara e não recolhe ICMS. A decisão abre espaço para o surgimento de novas discussões. Tributaristas entendem que a mesma medida pode ser aplicada para outros tributos – como o ISS, na esfera municipal, e o IPI, na federal.
Os advogados destacam que esses dois impostos, assim como o ICMS, também são destacados em nota fiscal, cobrados no preço e só então repassados ao ente público.
Para o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, porém, “não se estende [o entendimento] a nenhum outro tributo”. Barroso frisou ao Valor que o posicionamento do STF é exclusivo para a hipótese em que o comerciante cobra o imposto do consumidor e não repassa.
“E não estamos tratando do comerciante que está em dificuldade financeira. Estamos falando do comerciante que, repetidamente, como estratégia comercial, deixa de recolher”, afirmou. Ele deu como exemplo o caso analisado (RHC 163334). O empresário estava há meses praticando o mesmo ato, aderiu por três vezes a programas de parcelamento da dívida e não cumpriu nenhum deles.
“Mas se ele tiver que fazer uma escolha entre pagar tributo e pagar salário evidentemente a conduta não seria criminalizada. Porque, de novo, não se criminaliza quem está em dificuldade financeira”, enfatizou.
O único que votou na sessão de ontem foi o presidente do STF, o ministro Dias Toffoli, fechando o placar, favorável à criminalização, de sete a três. Após a conclusão dos votos, os ministros fixaram tese para deixar claro que a medida só servirá para os casos em que ficar demonstrado dolo (intenção) e o comportamento reiterado por parte do contribuinte.
Já havia maioria de votos, desde a semana passada – quando teve início o julgamento -, no sentido de que ficará caracterizado o crime de apropriação indébita tributária nos casos em que o ato tiver sido praticado com dolo. A pena prevista é de seis meses a dois anos de detenção.
“Discordo da decisão do STF. Mas ela está tomada e temos que entender os limites”, afirma Vinicius Jucá Alves, sócio do TozziniFreire. De acordo com o advogado, há Fiscos municipais querendo aplicar o mesmo raciocínio ao ISS, que também é destacado na nota fiscal. O mesmo acontece com o IPI. “Para qualquer tributo que tem o valor destacado na nota fiscal de um produto pode haver tentativa de criminalização.”
Alves destaca que, segundo o STF, o entendimento se aplica a devedores contumazes e que agem com dolo, mas o Fisco tenta sempre deixar a interpretação mais “elástica” e pode usar a criminalização como forma de acelerar a arrecadação, o que causa insegurança para os bons contribuintes. “Empresas que vão investir aqui vão pensar mais uma vez por causa de uma decisão que fala que o não pagamento de ICMS é crime. Generalizou-se a criminalização de forma equivocada’, diz.
A advogada Valdirene Franhani, do escritório Lopes Franhani Advogados reforça que, na esfera federal, o IPI também vem destacado em nota fiscal e é incluído no preço. “A questão aqui é declarar na nota ou nas apurações e não recolher”, afirma. Segundo a advogada, a tese definida pelo STF não fala de outros tributos, mas poderá haver uma avalanche de processos criminais para apuração do dolo.
O tributarista Júlio Janolio lembra dos tributos diretos com feições de indiretos, como o PIS e a Cofins. “São não cumulativos e seu custo, em forma clara, é repassado no preço do produto”, diz. Para o advogado, se estiverem presentes os requisitos que foram colocados na tese do STF quase não há dúvida de que atinge diretamente o IPI e o ISS.
De acordo com Douglas Mota, sócio da área tributária do Demarest, como a alegação é de “crime de apropriação indébita fiscal”, teoricamente daria para ser levado a todos os tributos que comportam a transferência econômica, como o ISS. Ficam de fora, acrescenta, os impostos diretos, como o sobre a renda. “O ponto é a transferência econômica de custo”, afirma.
O STF julgou o tema por meio de recurso apresentado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considerou crime o não recolhimento de ICMS declarado. O caso era de dois sócios e administradores de uma empresa em Santa Catarina que declararam e não pagaram ICMS entre 2008 e 2011. A empresa entrou em três programas de parcelamento e não quitou a dívida, no valor de R$ 30 mil.
Votaram pela possibilidade de criminalização o relator, ministro Luís Roberto Barroso, e também os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Dias Toffoli. Já os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio divergiram. O ministro Celso de Mello não estava presente nas sessão da semana passada nem na realizada ontem.
Fonte: Valor Econômico – Por: Joice Bacelo e Beatriz Olivon