Aposentados vencem disputa no STF e ganham direito a reajuste
Decisão impacta a Previdência Social e é mais uma pressão sobre o teto de gastos
A União perdeu ontem, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma questão bilionária, que vai impactar a Previdência Social e ser mais uma pressão sobre o teto de gastos. Trata-se da tese conhecida como revisão da vida toda. O placar foi de seis votos a cinco a favor dos aposentados — que ganharam o direito ao recálculo de seus benefícios e a elevar os valores recebidos.
Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, a União estima o impacto em R$ 480 bilhões. O valor considera o pior cenário: correção de aposentadoria e demais benefícios para todos os beneficiários. Inclui pagamentos retroativos e futuros, projetando uma expectativa de vida média de mais 15 anos para cada beneficiário. O custo extra mensal seria de cerca de R$ 2 bilhões, de acordo com projeções indicadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) no processo.
O valor total, porém, é motivo de divergência. Especialistas afirmam que o impacto da tese seria menor, por não beneficiar a maioria dos aposentados. A AGU pretende, com a publicação da decisão do STF, rever esse cálculo, para separar quem tem ou não direito a essa revisão. E estuda a possibilidade de apresentar recurso (embargos) — para pedir esclarecimentos ou mesmo um limite temporal para a decisão.
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes, que ficou vencido no julgamento, destacou que talvez os cálculos “catastróficos” da União não se confirmem, pelas regras de preclusão — perda de direito. Mas acrescentou que é um tema de enorme gravidade.
O caso trata da regra de transição da Lei nº 9.876, de 1999, que foi afastada pelos ministros. Na prática, impedia quem já contribuía à Previdência Social de incluir no cálculo do benefício salários anteriores a julho de 1994.
Agora, quem se aposentou pode pedir a revisão e usar todos os vencimentos — o que beneficiaria quem teve altos rendimentos antes desse período. No caso concreto em julgamento, a aposentadoria passa de R$ 1,4 mil para R$ 1,8 mil, um aumento de quase 30%.
No julgamento, o ministro Alexandre de Moraes destacou que a regra transitória só é mais benéfica a quem teve salários maiores mais perto da aposentadoria, o que não é a realidade para trabalhadores com menor escolaridade, mais hipossuficientes, que geralmente têm a trajetória salarial decrescente quando se aproxima da aposentadoria.
“A regra transitória pretendia preservar o valor das aposentadorias”, afirmou Moraes, ponderando que, apesar disso, em alguns casos a exclusão das contribuições anteriores a julho de 1994 foi ruim para o cálculo do benefício.
Além do caso concreto, o ministro citou a situação de um aposentado de 72 anos que praticamente contribuiu a vida toda pelo teto, mas ao se aposentar em 2014 as maiores contribuições foram descartadas e o benefício ficou em um salário mínimo, pelo corte que a lei estabeleceu.
Votaram no mesmo sentido os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, além do relator, ministro Marco Aurélio Mello, que havia votado antes de se aposentar. Ficaram vencidos os ministros Nunes Marques, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Para pedir a revisão, o beneficiário deve ter se aposentado pelas regras anteriores à reforma da Previdência de novembro de 2019, segundo Diego Cherulli, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). Ele precisa ter sempre recebido no teto do regime geral ou contar com uma vida laboral/contributiva “invertida”, com salários melhores no início da carreira — anteriores a julho de 1994. Só pode revisar seu benefício quem teve o direito concedido nos últimos 10 anos.
Essa revisão traz impacto para as contas públicas. Em duas frentes, segundo Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). No fluxo permanente, pelo potencial aumento de parcelas mensais dos beneficiários, e no estoque de atrasados, que devem ser pagos em precatórios. E a depender de eventual modulação ou esclarecimento por parte do Supremo, poderiam até mesmo ser parcelados.
Apesar desses esclarecimentos ainda estarem pendentes, afirma Giambiagi, a decisão aponta para um “plus” nas despesas do INSS e mais uma pressão no teto de gastos. Além de ser, acrescenta, uma razão para esperar que a regra definitiva do futuro teto de gastos seja definida em 2023.
Manoel Pires, coordenador do Núcleo de Política Econômica e do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre, considera que, do ponto de vista fiscal, o impacto depende do volume a ser pago e do tempo. “Se for caro e concentrado em um único ano, pode-se ter discussão de regra fiscal para poder gastar mais e pagar por fora do teto, mas se for algo diluído no tempo pode ser que caiba.”
O julgamento realizado ontem manteve o resultado que havia sido formado no Plenário Virtual em março. Na ocasião, o julgamento foi destacado para sessão presencial pelo ministro Nunes Marques e teria que ser reiniciado com a exclusão do voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello — a favor dos aposentados. Contudo, o STF decidiu manter os votos de ministros aposentados, mudando a regra do modelo virtual para seguir a sistemática aplicada a pedidos de vista.
O tema foi julgado com repercussão geral. Portanto, a decisão servirá de orientação para as instâncias inferiores. Mais de dez mil processos estavam suspensos aguardando a definição (RE 1276977).
No julgamento, foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei nº 9.876, de 26/11/1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC em 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva caso esta lhe seja mais favorável”.
Fonte: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon