2ª Turma do STF é favorável à inclusão de três tributos na base de cálculo do ISS

Ministros decidiram que entram nessa conta o próprio ISS e as contribuições PIS e Cofins

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, por unanimidade, um recurso que questionava a inclusão de três tributos na base de cálculo do Imposto sobre Serviços (ISS): o próprio ISS, o PIS e a Cofins. Trata-se de uma das discussões derivadas da chamada “tese do século”, com resultado desfavorável para o contribuinte.

No processo, uma incorporadora questionava o artigo 14 da Lei nº 13.701/03, do município de São Paulo. De acordo com o dispositivo, a base de cálculo do ISS “é o preço do serviço, como tal considerada a receita bruta a ele correspondente” (ARE 1522508).

O problema, segundo o contribuinte, é que essa definição afronta o que dispõe a Lei Complementar nº 116, de 2003, conhecida como Lei do ISS, que fixa que “a base de cálculo do imposto é o preço do serviço”, sem fazer ressalvas ou equiparações.

O advogado Daniel Ávila Vieira, sócio do Locatelli Advogados, defendeu o contribuinte no caso. Ele afirma que a inclusão dos impostos na base de cálculo do ISS ofende o artigo 146, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal. O dispositivo determina que a “definição de tributos e de suas espécies” só pode ser feita por meio de lei complementar.

Vieira aponta também que a inclusão dos tributos federais na base de cálculo do imposto municipal afronta o que o Supremo decidiu na chamada “tese do século” (RE 574706), que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

No julgamento, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, lembrou que o tema já foi tratado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 190, julgada no ano de 2016. Naquele caso, foi declarada a inconstitucionalidade de lei municipal que exclua valores da base de cálculo do ISS fora das hipóteses previstas em lei complementar. O precedente foi posteriormente reafirmado na ADPF 189, em 2020.

Gilmar Mendes apontou ainda que o Supremo não pode analisar se o dispositivo da lei municipal fere a lei complementar nacional a respeito da exclusão de valores da base de cálculo do ISS, em respeito à Súmula nº 280, que impede análise, por meio de recurso extraordinário, de desrespeito a direito local.

Segundo Daniel Ávila, o colegiado perdeu a oportunidade de corrigir uma distorção na base de cálculo do ISS. “Considerar o ISS, o PIS e a Cofins na base de cálculo do tributo que deve incidir sobre o preço do serviço é fazer uso das palavras para alargar a base arrecadatória. Isso não conversa com a base econômica real, que deveria ser o ponto de partida do cálculo dos tributos”.

Para o advogado, a legislação tributária precisa ser modernizada, “e os tribunais deveriam funcionar como indutores deste processo em seu papel de corrigir distorções”. Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, aponta que a 1ª Turma do STF já tinha precedente desfavorável ao contribuinte. Em abril de 2024, o colegiado negou um recurso semelhante por unanimidade, ressaltando o entendimento da ADPF 189 que dizia que “a lei complementar, quando o quis, fez expressa exclusão de valores da base de cálculo do ISS” (ARE 1469426). A 2ª Turma também já havia negado a exclusão do PIS e da Cofins do cálculo do ISS, com base no julgamento da ADPF 190 (ARE 1494685).

Segundo ela, os precedentes mostram que o STF tem sido “extremamente resistente” a aplicar a “tese do século” em outros julgamentos. “Inclusive, alguns dos acórdãos mantidos pelo STF mencionam expressamente que a aplicação dessa espécie de entendimento ao ISS implicaria tributar a receita líquida de tributos em caso onde a legislação menciona que a base de cálculo é o preço do serviço, sem autorizar a dedução dos tributos federais da base de cálculo do imposto municipal”, afirma.

Fabrício Parzanese dos Reis, sócio da área tributária do Velloza Advogados, complementa que a decisão não enfrentou individualmente o tema do ISS na própria base, que teria fundamento legal e constitucional distinto da questão do PIS e da Cofins.

Segundo ele, as leis de vários municípios, incluindo de São Paulo, preveem que o próprio imposto deve ser considerado em sua base de cálculo. No entanto, a lei complementar que instituiu o ISS, a LC nº 116, não trouxe essa previsão.

“Ora, se o entendimento firmado pelo STF [nas ADPFs 189 e 190] foi no sentido de que os municípios não podem excluir componentes da base de cálculo do ISS sem previsão em lei complementar, a mesma lógica deveria ser aplicada quando se trata da adição de um componente à base de cálculo não autorizada em lei complementar”, diz Reis.

Segundo o tributarista, caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentar essa questão, quando for provocado, já que se trata do julgamento de uma lei complementar. “A nosso ver, essa questão não se confunde com a dedução de impostos federais da base cálculo do ISS e, portanto, não se encerra com o entendimento adotado nas ADPFs 189 e 190”, defende.

Ele aponta, ainda, que a tendência da jurisprudência nas instâncias inferiores já favorecia o Fisco. Mas que o julgamento pelo Supremo trouxe à tona a necessidade de ajuste na forma de cálculo do ISS. “Isso poderia trazer uma diminuição no aumento de preços de serviços na economia nacional, que hoje é sistemático e disseminado”, defende.

Em nota ao Valor, o município de São Paulo afirmou que a inclusão do PIS e da Cofins na base do ISS está em conformidade com a legislação vigente e precedentes do Supremo. “O entendimento da PGM está alinhado ao que já foi consolidado pela jurisprudência do STF, especialmente na ADPF 190, que reafirmou a competência exclusiva da lei complementar nacional para definir a base de cálculo do ISS”, diz o município.

Para além desse debate na 2ª Turma, o Supremo está analisando os mesmos tributos, mas na situação inversa, em um julgamento com repercussão geral. No Tema 118, o contribuinte pede a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 592616). O impacto deste julgamento foi estimado pela União em R$ 35 bilhões, mas não há data para ele ser retomado.

De acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), há hoje 72 discussões derivadas da “tese do século” no STF, as chamadas “teses filhotes”. Nos julgamentos já realizados, o placar vem sendo favorável à União, mas há esperanças, segundo os tributaristas, de que o pêndulo se movimente a favor do contribuinte em outros casos.

Fonte: Valor Econômico – Por: Luiza Calegari